CARTA ABERTA À FRENTECOM E AO CONSELHO CONSULTIVO DE RÁDIO DIGITAL
Redigida a partir da Conferência “Espectro, Sociedade e Comunicação 2”, realizada na PUC-Rio entre os dias 26 e 28 de novembro de 2013:
No mundo todo, vários países vêm desenvolvendo pesquisa sobre rádio digital, buscando tanto a melhoria na qualidade da transmissão e recepção de áudio, quanto novos benefícios para a comunicação de seus cidadãos. No Brasil, a exemplo da migração para a televisão digital, uma Portaria do Ministério das Comunicações (290/2010) orienta há mais de três anos a tomada de decisão sobre a implementação do rádio digital no país, nomeado Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD). Em 2012, com o com o objetivo de assessorar o Ministro de Estado das Comunicações na implantação do Rádio Digital no Brasil, foi instaurado por meio da Portaria nº 365 do Ministério das Comunicações o Conselho Consultivo do Rádio Digital, que possui entre suas atribuições a análise dos testes feitos com os diferentes padrões de rádio digital, a análise das inovações tecnológicas e a formulação de políticas industriais para a implantação do rádio digital. Dois padrões tecnológicos se apresentaram ao governo para participar dos testes, e desde então são candidatos para servir como base para a criação do SBRD: o HD Radio, propriedade privada da empresa norte-americana Ibiquity, cujo licenciamento no Brasil é feito pela empresa TellHD, e o Digital Radio Mondiale, padrão aberto mantido por um consórcio internacional de mais de 100 organizações. No entanto, segundo os critérios definidos por aquela Portaria, o HD Radio sequer deveria ser considerado, visto que contradiz em muitos aspectos as diretrizes definidas pelo Ministério, conforme discutiremos a seguir.
De forma primordial, a Portaria 290 define critérios sociais para o SBRD que, até o momento, estão ausentes no debate iniciado no Conselho do Rádio Digital. Acreditamos ser problemático que a discussão a respeito da escolha do padrão de rádio digital esteja reduzida a um discurso majoritariamente técnico, sendo importante que o CCRD considere em seu trabalho as demandas e necessidades comunicacionais da sociedade brasileira. A legitimidade do SBRD não pode advir somente da mediação dos sinais de rádio, mas deve levar em conta uma reflexão e justificativas mais amplas. Nesse contexto, é essencial que a FRENTECOM se manifeste e tome uma posição clara sobre o assunto, que é de grande relevância para garantir a futura liberdade de expressão pelo espectro eletromagnético. Também faz-se necessário revisitar, no âmbito do CCRD, alguns pontos da portaria que merecem destaque e deveriam estar contemplados no momento da comparação dos critérios técnicos, a saber:
- promover a inclusão social, a diversidade cultural do País (Art. 3o I)
- acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação (Art. 3o I)
- possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesquisa (Art. 3o V)
- propiciar a criação de rede de educação à distância (Art. 3o VII)
Após três dias de intensos debates entre representantes da academia brasileira, pesquisadores internacionais, integrantes de rádios públicas, comunitárias e livres gostaríamos de compartilhar com vocês algumas recomendações que abrangem tanto a dimensão técnica como social do rádio.
Em relação a escolha entre os dois padrões HD Radio e DRM, defendemos a adoção do padrão DRM como base para o desenvolvimento do SBRD, incluindo o middleware Ginga como padrão de interatividade, que já é utilizado no Brasil e 12 países,em sua maioria na América Latina, para assim criarmos o primeiro sistema de rádio digital interoperável com a tv digital do mundo, fora o Japão. Para o pleno sucesso do sistema, recomenda-se que os receptores compatíveis com o SBRD estejam aptos a receber todas as faixas de frequência. Segundo nossa reflexão, somente o sistema DRM respeita e leva em consideração, em sua totalidade, a Portaria 290/2010 (em anexo). Propomos a utilização do Ginga, que já foi apresentado formalmente ao CCRD, como o sistema de interatividade do rádio digital, que será interoperável com a tv digital, e sendo uma tecnologia 100% de universidades brasileiras cumprirá com o critério de “possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesquisa no ajuste e melhoria do sistema (Art. 3o V)”, além de também atender ao parágrafo de “estimular a evolução das atuais exploradoras do serviço (Art. 3o II)”. Durante a Conferência ESC2 foi feita a primeira demonstração pública de um aplicativo interativo Ginga transmitido, recebido e executado utilizando-se o padrão DRM, experimento realizado pelo Lab. Telemídia da PUC-Rio.
Ao mesmo tempo, recomendamos desconsiderar o HD Radio como um possível padrão de rádio a ser adotado no Brasil porque o mesmo não atende à Portaria 290/2010 e à diretrizes propostas pelo CCRD. Destacamos aqui cinco características deste modelo que estão em desacordo com as exigências definidas naquela Portaria:
- O codificador de áudio é segredo industrial e não cumpre com a exigida transferência de tecnologia prevista na Portaria 290 (Art. 3o IV)
- Não otimiza o uso do espectro pela sua arquitetura técnica que exige maior largura de banda (Art. 3o VII)
- Não funciona em todas as faixas de frequência, operando somente em VHF Banda II (FM) e OM. Não opera em OT nem OC, deixando os cidadãos que mais dependem do rádio, moradores dos rincões do país excluídos dos benefícios da digitalização do rádio (Incluir OC na digitalização, proposta do CCRD)
- Não democratiza a informação e o acesso aos meios de comunicação, visto que não permite a existência de um maior número de emissoras dentro da banda FM ou em outras faixas (Art. 3o I)
- Exige uma licença para o acesso à tecnologia, seu uso, e para fabricação de equipamentos, expedido somente uma empresa que detém os direitos do HD Radio no país, o que conduziria a um novo monopólio empresarial (Art. 3o III)
Deste modo, diante da evidente incompatibilidade do HD Radio com a Portaria 290, a plenária da Conferência ESC2 vem a público questionar a realização de testes com um padrão que não atende à Portaria 290/2010. Trata-se de gasto de esforço público não justificado, e em contradição com os critérios definidos anteriormente. A opção de se criar um novo padrão de rádio digital nacional também é ineficaz, pois apresenta problemas de escala e sustentabilidade econômica, além de não ser compatível com a proposta de defendermos um único padrão de rádio interoperável globalmente, assim como o AM e FM. Do mesmo modo, a adoção de dois sistemas incompatíveis (HD Radio e DRM) também não é uma proposta razoável, visto que o HD Radio não cumpre as exigências da Portaria do Ministério e sua adoção junto com o DRM representaria um notável aumento de royalties nos equipamentos e da complexidade de fabricação de receptores, encarecendo estes produtos.
Além da escolha de um padrão técnico, gostaríamos de mencionar outros importantes critérios políticos, sociais, econômicos e ecológicos, que deveriam ser levados em conta para o desenvolvimento do SBRD:
- Que a decisão pelo sistema leve em consideração políticas de desenvolvimento e integração com outros países. Neste sentido, vale mencionar que o padrão DRM já foi adotado pela Rússia e Índia, que junto com o Brasil, África do Sul e China, que também estão testando o DRM, compõem os BRICS. A adoção de um padrão aberto de rádio digital também abriria a possiblidade de cooperação Sul-Sul ou entre os países-membros do Mercosul.
- Permitir a multiprogramação e a criação de mais emissoras radiofônicas (possível no caso de um uso mais eficiente do espectro) para contribuir com a pluralidade e diversidade da mídia;
- Adoção de tecnologias abertas (como o DRM e o Ginga para a base do SBRD) que garantam a incorporação de melhorias desenvolvidas no Brasil, permitindo o desenvolvimento local e estimulando a colaboração com outros países;
- Que os receptores suportem todas as tecnologias definidas pela norma do SBRD.
- Que os receptores funcionem em todas as bandas de rádio (OM, OT, OC e VHF), sempre que possível.
- Que a digitalização permita o pleno cumprimento dos fins sociais de todos os serviços radiofônicos previstos na Constituição e leis específicas brasileiras.
- Não discriminação de rádios comunitárias e públicas no processo de digitalização do espectro;
- O DRM exige menor consumo de energia, tornando-o um padrão mais ecológico e econômico que o HD Radio;
- Exclusão de tecnologias que necessitem de licenças e certificações que saiam da esfera pública;
- O rádio digital deve reforçar a redução da desigualdade social do país como um dos processos norteadores da decisão do padrão;
- Que a digitalização do rádio se conceba com a perspectiva de uma nova lei de meios;
- O SBRD deve permitir novas formas de transmissão de informação, permitindo a interatividade e novos serviços;
- Sugerir a criação de linhas de financiamento para apoiar a pesquisa, desenvolvimento e implementação do SBRD (assim como existe o Programa BNDES de Apoio à Implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital - BNDES PROTVD) com ênfase especial para o acesso das rádios comunitárias aos equipamentos digitais e dos cidadãos a receptores de rádio digitais a preços razoáveis;
Em face do foco estritamente técnico que as discussões do CCRD tomaram, recomendamos que no momento do anúncio do padrão do SBRD, seja criado o Fórum do SBRD com filiação aberta, gestão democrática e participação da academia (de forma multidisciplinar) e da sociedade civil, dialogando com o Fórum do SBTVD de forma a reposicionar o debate da digitalização da radiodifusão como uma verdadeira contribuição à democratização da mídia brasileira e a plena garantia do direito à comunicação.
Sobre o ESC: Espectro, Sociedade e Comunicação
Em 2011 aconteceu a primeira edição do ESC, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Em 2013, realizaremos a segunda edição na PUC-Rio (Rio de Janeiro, RJ) sob coordenação do Laboratório Telemídia do Departamento de Informática da PUC-Rio em parceria com o Grupo de Pesquisa CTeMe do IFCH-UNICAMP, com a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (AMARC-Brasil) e com o Grupo Saravá.org, contando com financiamento da CAPES, através do programa PAEP, e da Open Society Foundations.
Lista da Comissão Organizadora e Comitê Científico.